Representação de Luisa Mahin / Luiz Gama |
Uma quituteira nas ruas de Salvador auxilia na
articulação de uma rebelião. Ela ocorre, acontece delação, 70 pessoas são
mortas, 281 presas e ela - a revolta - bem como a quituteira entram para
história do Brasil como símbolos do não conformismo com a escravidão.
No domingo dia 25 de janeiro de 2015 completam-se 180 anos da Revolta dos Malês, uma das maiores e mais impressionantes
rebeliões escravas ocorridas no país e este deveria ser tema de uma enxurrada
de programas e debates, assim como a pessoa a quem atribuem a frase que abre
este texto: Luísa Mahin.
Luísa é um mito. Para grande parcela ela
personifica o emblema da luta, da não entrega, da coragem, da ousadia. Um nome
que deveria ter tudo o que certamente não terá este ano, que são matérias em
jornais, especiais na TV, a divulgação em larga escala do que representou. E não
preciso nem dizer o porquê disso não ser notícia...
Apenas recapitulando rapidamente para os que ainda
não foram apresentados a esta personagem e à famosa revolta (Se este é o seu
caso não se acanhe! Leia em obras de bons historiadores eescritores. Tem uma listinha bacana no final. É uma passagem
sensacional e essencial para entender mais o nosso Brasil. Fica a dica).
A palavra ‘malê’ vem do iorubá ‘imalê’ e signfica ‘muçulmano’.
Esta era uma expressão genérica para designar os provenientes do povo mahi (do
Benin) e outros negros islamizados como hauças, tapas, bornus, etc. Africanos
das etnias jêje e nagô que foram os articuladores e protagonistas da revolta
que em 1835 apavorou a província e em grande medida, o país. O objetivo era ousado:
Tomar o poder, libertar os africanos, confiscar os bens dos brancos e mulatos e
estabelecer uma monarquia islâmica.
Os planos foram cuidadosamente elaborados, dizem,
pelos que tinham experiência anterior de combate na África. Todas as mensagens
eram escritas em árabe e - segundo consta - corriam entre os revoltosos
escondidas no tabuleiro de Luisa. Mais de 600 pessoas participaram da revolta
que de acordo com João José dos Reis – autor de Rebelião Escrava no Brasil – levando
em consideração a população da época corresponderia hoje a 24 mil pessoas.
Os planos de ataque eram assinados por um escravo
de nome Mala Abubaker. Eles sairiam do atual Porto da Barra para o centro de
Salvador, tomariam o poder, rumariam para o Recôncavo onde tinham infiltrados
nos engenhos para libertar os escravos por lá. Após a repressão do levante que durou dois dias, as penas foram da execução de
quatro identificados como os principais líderes até os castigos corporais,
trabalho forçado e exílio. De Luisa diz-se que foi deportada para a África, que
fugiu para o Rio de Janeiro ou ainda para o Maranhão.
Muito se fala sobre aquela que teria sido a mãe de
Luiz Gama, o advogado dos escravos, que é reverenciada e homenageada pela
comunidade negra no Brasil, mas como ainda
não apareceram documentos que atestem inequivocamente a existência de Luisa, realidade
e imaginação se mesclam numa figura que já extrapolou o personagem histórico em
si. Tudo é dúvida e tudo é certeza! Luiz Gama revelou numa carta autobiográfica
enviada em 1880 ao amigo Lúcio de Mendonça algumas pistas sobre sua mãe.
"Sou filho natural de negra africana,
livre, da nação nagô, de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e
a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto
retinto sem lustro, os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa,
sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa."
A partir daí surgiram poemas, histórias, estudos, elucubrações,
hipóteses. E Luiz também dedicou a ela
os versos de ‘Minha Mãe’, publicados no livro ‘Primeiras Trovas Burlescas de
Getulino’ e que começam com ...
“Era mui bela e formosa,
Era a mais linda pretinha,
Da adusta Líbia rainha,
E no Brasil pobre escrava!”
Era a mais linda pretinha,
Da adusta Líbia rainha,
E no Brasil pobre escrava!”
Amuleto malê. Apreendido entre os revoltosos de 1835. |
O legado deixado pelos povos islamizados é vasto na
nossa cultura. Vai de temperos e comidas, a vestimentas e práticas religiosas,
mas é curioso observar como o brasileiro mediano se vê totalmente apartado do
universo muçulmano.
Não sei bem no que daria caso os malês tivessem tido sucesso. Fazendo um exercício de imaginação certamente não seria nada do que particularmente sonho para a minha pátria... Mas tão pouco isso que temos é o que desejo para mim, meus filhos e os que virão depois, logo, o recado dado por eles segue mais atual do que nunca: Definir o que se quer, planejar e lutar por isso!
Não sei bem no que daria caso os malês tivessem tido sucesso. Fazendo um exercício de imaginação certamente não seria nada do que particularmente sonho para a minha pátria... Mas tão pouco isso que temos é o que desejo para mim, meus filhos e os que virão depois, logo, o recado dado por eles segue mais atual do que nunca: Definir o que se quer, planejar e lutar por isso!
Dicas legais de leitura sobre Luisa Mahin e a Revolta
dos Malês:
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história
do Levante dos Malês em 1835.
Companhia das Letras, 2003.
GAMA, Luiz. Carta a Lúcio de Mendonça: São Paulo,
25 de julho de 1880 In:
Luiz Gama o libertador de escravos e sua mãe
libertária, Luíza Mahin. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de
Janeiro: Record, 2006.
ARACI, Nilza, PEREIRA, Maria Rosa e RUFINO, Alzira.
A mulher negra tem história.
Coletivo de Mulheres Negras da Baixada Santista/Prefeitura
Municipal de Santos, s.d.
ALVES, Mirian. Mahin amanhã. Cadernos Negros, nº 9
(1986): p.46.
Nenhum comentário:
Postar um comentário