sexta-feira, 8 de março de 2019

As 12 mulheres do dia oito



Eliana Alves Cruz



Somos as vozes das 12 mulheres que não verão o sol do dia 9 de março.
Somos as vozes daquelas que não receberam flores ou perfumes;
O grito mudo das que viram a lâmina como último brilho
...ou a bala como derradeira carícia
Somos a lágrima do olho que, roxo, não conseguiu chorar

Se nosso corpo os provoca até o ponto da posse,
Não é culpa nossa a vossa doença
Baseada na crença de que somos a raiz dos pecados do mundo

Somos os 12 ventres abertos por mãos que esmagam sem tocar
Os 12 hematomas na boca do estômago  
O septo desviado
O crânio fraturado

Somos as fêmeas que pariram as putas do teu xingamento
E teu alimento em leite de peito e mel das entranhas
Doze mulheres num beijo de morte
Doze vaginas à própria sorte
Doze seres expostos aos julgamentos
Linchamentos, excrementos

Somos 12 mulheres e, sabemos, vocês não conseguem ver
Temos aqui ao menos oito rostos pretos,
Pois a lágrima clara não se comove fácil pela pele escura

Não estamos sós
A nós, não se enganem, amanhã se juntarão mais doze
Talvez uma moça que recebeu flores
Ou uma mãe que guardou no armário algum presente
Quem sabe a noiva de aliança no anular
Ou a ambulante chegando a casa depois de tanto lutar
Talvez a rica senhora que se acha protegida
Ou a indigente igualmente preterida
E ainda tem aquela, a executiva
Nenhuma de nós está excluída da possibilidade de virar estatística

Doze... vinte quatro...quarenta e oito...
4.380 ao final de um ano comemorado em natal e réveillon
Pelos homens de boa vontade

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Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil. Mulheres negras têm ao menos três vezes mais chances de sofrer feminicídio no Brasil.
Dados do Monitor da Violência, uma parceira do portal G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.