Foto: Arquivo Pessoal |
Josélia Oliveira, 35 anos, tem voz pausada, muito bem articulada, é
doce na fala e fera nas atitudes. Antes de chegar aos 30 passava dos 100
quilos, estava hipertensa, com problemas cardíacos e no caminho certo para o fim
prematuro, pois entrava no grau dois de obesidade (o máximo é três). Com
recomendações médicas para mudar de vida com urgência, Josélia obedeceu
prontamente e, entre outras coisas, incluiu o esporte em sua vida. Caminhada?
Natação? Corrida? Nada disso. Levantamento de peso.
- Comecei a fazer musculação com um pouco de
medo e vergonha, mas quando completou dois meses eu tinha perdido 12 quilos! Fiquei
tão empolgada que segui treinando e aí fui chamada para treinar mais sério e
competir. Não parei nunca mais. Hoje tenho uma rotina rígida para me preparar para os campeonatos.
A estudante de administração, que com a prática
esportiva mudou para a cadeira de educação física, enfrenta uma hora e meia
todos os dias para sair do bairro carioca de Senador Camará e chegar a Escola de
Levantamento de Peso Olímpico Aline Campeiro, no Engenho Novo; luta para se
manter competitiva e em sua categoria - até 60 quilos - e coleciona os títulos de
campeã brasileira de supino, campeã estadual de levantamento de peso básico,
entre outros.
Foto: Arquivo Pessoal |
Josélia, assim como muitos, sempre teve que lidar com o racismo,
mas na fase que estava com sobrepeso também precisou enfrentar a rejeição aos
obesos e, desde que começou a levantar peso, sente os preconceitos contra as
mulheres que fazem “esportes de homem”. Somado a isso tudo, o estigma que ronda
a modalidade: Doping.
- Nós temos uma rotina muito intensa de treino.
O desempenho é devido à disciplina na prática, na repetição, na alimentação e com a vida regrada. Dopagem
existe em todos os esportes, mas não é da forma como as pessoas imaginam e não
são todos os atletas. Mais uma vez o desconhecimento gerando preconceitos. Ainda
associam força apenas aos homens. Nós, mulheres praticantes, ouvimos muitas
coisas desagradáveis e machistas. Sempre nos associam à homossexualidade, como
se isso fosse algum demérito. Mas a gente ignora e segue em frente. Essas ideias
apenas serão quebradas com mais informação. Esporte é para o ser humano. Não
tem essa de esporte para homem, para mulher... Todos podem. Não existe limitação.
A pessoa tem apenas que se identificar com a atividade, se cercar dos cuidados
médicos e começar. Não importa a idade, a cor, nada.
Foto: Arquivo Pessoal |
Em tempos tão esportivos, em que o Brasil sediou
uma Copa do Mundo, está prestes a realizar uma Olimpíada e que este ano teve em Toronto, no Canadá,
suas primeiras medalhas pan-americanas femininas no Levantamento de Peso (dois bronzes com Jaqueline Ferreira e
Bruna Piloto) a busca por patrocínios continua a ser o calcanhar de Aquiles de
grande parte dos atletas, mas se este competidor é mulher e se esta mulher for
negra...
-
Num evento de nutrição, que acontece
regularmente aqui no Rio de Janeiro, em 2013, fui conversar com algumas
empresas e de uma delas eu ouvi que não valeria a pena me patrocinar
porque "preto não vende". A resposta foi muito ofensiva e eu sei que é
isso o que
muitas empresas pensam. O material é caro, tem as viagens... É muito
duro
conseguir apoio. Temos um desafio a mais porque o racismo existe. Isso
faz com
que muitas atletas desistam, pois é difícil custear. Consigo me manter no
esporte
porque tenho a ajuda de amigos e recebo doação de material. Uma
escritora de São Paulo, por exemplo, me doou livros para revender e
obter recursos para competir. Tenho uma amiga no site www.ateltasbrasil,
que ajuda atletas
que não tem patrocínio e também recebo algum auxílio por lá.
Prestes a coordenar o braço social do espaço
gastronômico ‘Bele Bele Cubano’, que será criado pela empresa Tur Chefe América,
do chefe de cozinha cubano Fernando Calderón Boris, para apoiar alguns atletas, Josélia se desdobra para concluir a faculdade de Educação Física com muitos
sonhos para o futuro.
Foto: Arquivo Pessoal |
- Agora pretendo participar do Campeonato
Sul-Americano e de outros campeonatos internacionais. Quero continuar no esporte que eu amo. Abracei
o levantamento de peso. Olho a barra e os meus olhos brilham, então vou
continuar me dedicando e buscando apoio. Gostaria muito de treinar crianças. No
Brasil, em cada esquina tem uma escolinha de futebol, mas nem toda criança será
o Neimar! Existem outros esportes. É preciso diversificar. A riqueza do Brasil é
imensa também no campo esportivo.
Por superar tantos preconceitos e continuar na luta, Josélia, você é uma Flor da Cor!