Luísa em algum momento deve ter deixado escapar que era praticante de alguma religião de matriz africana e aí...
Em um belo dia do ano de Nosso Senhor de 1738, Josefa Maria, uma distinta senhora do Arraial de Antônio Pereira, futura cidade de Mariana, em Minas Gerais, sentiu uma forte dor no braço e não conseguiu abrir a porta da senzala pra dar os bons castigos que achava que eram do merecimento de Luísa da Silva Soares, que estava nesta época chegando aos 40 anos. Bursite? Tendinite? Fratura? Muitos diagnósticos poderiam ser sugeridos nos dias de hoje e mesmo há três séculos, no entanto, bruxaria foi a causa apontada como certa. A dor de sua senhora foi o início de tormentos sem fim para Luísa, que ficou conhecida como “A feiticeira do arraial de Antônio Pereira”.
Lavras auríferas que “secaram” e se tornaram improdutivas e toda espécie de acontecimentos considerados mágicos iam parar na conta da escrava, principalmente a dor de Josefa, que por nada melhorava. A doença da senhora foi a senha para que Luísa fosse barbaramente torturada por seus senhores e pelo pároco local. Até que em 1739 foi presa em 1742 denunciada à Santa Inquisição de Lisboa.
Tortura não devia ser um tema que espantasse ou sensibilizasse tanto assim os inquisidores, visto que a usaram fartamente durante toda a trevosa Idade Média, mas o caso daquela escrava brasileira impressionou os sábios doutores em assuntos de pactos com o “sete peles”, “o tinhoso”, “o manhoso” ou qual seja o nome que quisessem dar a ele, o diabo.
Em Portugal ela disse que tudo o que confessou à época da prisão o fez para se livrar dos martírios e que várias vezes pensou em se matar. Desculpem os que possuem estômago sensível, mas terei que relatar o que a contou nossa personagem principal.
Primeiro foi queimada no corpo inteiro com ferro em brasa e desfaleceu. Como Josefa não dava sinais de melhora voltaram à carga amarrando-a numa escada e ateando fogo em seus pés. Costuraram sua língua com uma agulha com quatro linhas. Apertaram-lhe a cabeça e daram-lhe pancadas, jogaram água fria e pingaram lacre aceso (aquela cera para selar cartas) sobre suas partes genitais. Ataram-na ao tronco. Ficou cega do olho esquerdo com um pau de ponta fina e a espancaram com uma espada desembainhada até quebrarem o osso do seu ombro direito. Foi açoitada até ficar coberta de sangue e amarrada ao sol com bichos e moscas a lhe morder. Luísa foi socorrida por outros escravos que penalizados curaram suas feridas. Para finalizar, foi acorrentada e obrigada a desfilar pelo arraial (Alguém se lembra da caloura de direito pintada de negro, amarrada e obrigada a desfilar sendo puxada por um jovem branco em Minas Gerais este ano? Diante de uma caso como este de Luísa, alguém consegue medir a dimensão deste deboche?)
UFMG 2014 |
E assim a cativa confessou tudo o que quiseram. Confessou que preparou poções de raízes, pós, sapos, unhas de gente, cabelos... tudo, enfim, para causar dano aos seus senhores.
Seu depoimento impressionou tanto as autoridades portuguesas que chamaram testemunhas arroladas por ela, que confirmaram toda a história. Desconfiados das motivações e acusações dos senhores, decidiram libertá-la. O processo foi encerrado em 31 de maio de 1745, ou seja, sete anos de um suplício que por mais esforço que façamos não podemos calcular.
Para finalizar vamos pular os 276 anos do início do martírio de Luísa até este ano de Nosso Senhor de 2014. Em junho, o terreiro Cawé Cejá Gbé, em Duque de Caxias/RJ foi incendiado. Este foi o sexto atentado, em seis anos contra o espaço religioso e sua líder, mãe Conceição de Lissá. O que nós temos com isso? Sem mais.
Notícia completa aqui.
Fonte: Mulheres Negras do Brasil - Schuma Schumaer, Érico Vital Brasil - Editora Senac São Paulo
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